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domingo, 24 de outubro de 2010

Artigo - OS SONHOS DE ANINHA E O COMPLEXO DE CLARK KENT

Aos sete anos, Aninha entrou na escola, embora insistisse neste desejo desde os cinco, na ânsia pelo saber, por descobrir um mundo que, até então, era desconhecido; juntar letras, umas às outras, e formar palavras, transmitindo suas ideias por seu intermédio. Aos sete, então, foi finalmente alfabetizada, uma vitória. Embora pequena, Aninha tinha um incrível senso de justiça e, apesar da sua timidez, revestia-se de pura coragem quando via alguma sendo cometida, saindo de seu casulo, tal qual uma borboleta que expressa vida por meio de suas cores refletidas ao Sol. Depois de aprender as primeiras letras, Aninha entrou para o mundo das artes, escrevendo poesias variadas. De linhas simples, à medida que amadurecia, Aninha escrevia textos, cada dia, mais rebuscados, intensos, profundos; ela decidira, quase que no berço, ser uma escritora.
Ao ingressar na faculdade, obviamente, escolheu o jornalismo como profissão; afinal, qual seria a outra que daria a Aninha a possibilidade de escrever e lutar contra as injustiças do mundo ao mesmo tempo? Cursando jornalismo, aprendeu que essa sua ‘mania’ de querer salvar o mundo das injustiças e dos ‘caras maus’ tem um nome proveniente das histórias em quadrinhos: um tal de ‘Complexo de Clark Kent’. É, parece que todo jornalista tem esse complexo, quer ser como o Superman e salvar o mundo todo, porém, não lutando contra vilões, voando pelos céus, vestindo roupas azuis com capa vermelha. Lutam com a palavra. Nela, encontram refúgio, sabedoria, força. Ela é sua arma. Assim, Aninha aprendeu a lutar, mas presenciou, por inúmeras vezes, os ‘vilões’ saírem ilesos. Muitas vezes, suas palavras eram inócuas e as dificuldades para conseguir os objetivos, intransponíveis. Talvez, pela iniquidade presente em solo brasileiro, terra em que nasceu, na qual sofreu decepções e perseguições e pela qual nunca desistiu de lutar. Aninha viajou muito, conheceu outras terras, amou todas as paixões, lutou por muitos injustiçados, caiu e levantou-se em diversos caminhos.
Como Aninha, é assim que agem os verdadeiros heróis da pátria: os pais de família que sustentam seus filhos, mesmo com salário de fome e, sem condições de saúde, saneamento e educação, originam pessoas justas e batalhadoras; as mães, que protegem sua prole de qualquer intempérie, da violência, das drogas, do desgoverno da nação; os médicos da saúde pública que, mesmo com falta de condições, espaço, higiene, medicamentos, mias médicos, esforçam-se, na medida do sobre-humano, para salvar a vida de um pobre diabo qualquer, totalmente desconhecido, que lhe caira nas mãos no último plantão de 24 horas; os grandes profissionais, voluntários ou mal remunerados, que cumprem suas funções com louvor, sem pensar se na sua mesa também falta comida; e, finalmente, os jornalistas,verdadeiros, aqueles que sabem o que quer dizer a palavra ‘ética’, e não apenas sua terminologia no dicionário, mas como sentido de vida, de dignidade, de justiça, seguindo o exemplo de Aninha ou de Clark Kent, cujos sonhos infantis, cheios de representações míticas, são seguidos até o final da vida, pois a pureza e a ética da criança devem nortear a vida adulta.
Corrupção, ladroagem, violência, loucura, drogas, guerra, indiferença, desamor, ódio, parasitismo e tantas outras qualidades não pertencem ao mundo infantil. Pois, como diria Pedro Bial,’ tudo que realmente interessa, aprendi no jardim de infância’. Tenhamos, então, mais ‘Aninhas’ ou ‘Clark Kents’ residentes em nossa alma e, quem sabe, veremos um mundo se equilibrando, um Brasil mudando, um Mato Grosso de igualdades e consciência e, um Tangará da Serra, voando livre das corrupções, dos escândalos, da falsa cidadania e, realmente, um município-modelo.

LUCIANA MENOLI, jornalista formada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)

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